O compromisso com o ético desempenho da Medicina e as diferenças dos sistemas de saúde dos países lusófonos ma rcaram a primeira exposição do VIII Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, evento realizado de 4 a 6 de maio, em Brasília (DF).
A primeira palestra foi proferida pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, que apresentou um panorama sobre os indicadores de saúde dos nove países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor Leste.
“No momento, em que se rediscute as bases de uma nova ordem global, com impactos na economia, educação e relações sociais, entre outros aspectos, surge uma oportunidade para que possamos, juntos, inspirados pelas nossas heranças e vocações, planejar estratégias para superação de desafios e obstáculos, oferecendo as nossas contribuições para a construção de um mundo mais justo, ético e igualitário”, apontou Carlos Vital em sua apresentação.
Em sua exposição, Carlos Vital destacou os dados mais recentes divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e comparou os principais indicadores das nações de língua portuguesa. Segundo ele, os números revelam os extremos de desigualdade nos quais convivem seus povos, particularmente no campo da assistência à saúde. Um exemplo dado foi o valor per capita dos gastos assistenciais nessa área, destinada à prevenção, ao tratamento de doenças e à promoção de hábitos salutares, que oscila de U$ 2.096 ao ano, em Portugal, à US$ 37,30 em Guiné-Bissau.
Para o presidente do CFM, apesar de ser classificado como uma das maiores economias do mundo, o Brasil tem indicador limitado a U$ 947,70 por habitante ao ano. A participação do Estado no gasto sanitário total é, de apenas, 48%. “Trata-se de um baixo percentual, posto que, nos sistemas únicos de saúde torna-se recomendável que este índice seja pelo menos de 70%”, defendeu.
Cerca de 500 mil profissionais representam a Comunidade Médica dos Países de Língua Portuguesa (CMLP). O presidente do CFM enalteceu que o médico não é apenas um técnico, mas um cuidador do homem e da sua comunidade. “Assim, alicerçados em suas raízes históricas e culturais, e ao mesmo tempo motivados às mudanças das realidades que colocam em risco a vida e o bem-estar dos seus povos, devem atuar com entusiástico engajamento em defesa das causas públicas”.
O antropólogo e membro da Academia Nacional de Medicina, Aníbal Gil Lopes, abordou sobre o que chamou de desafio cultural. Segundo ele, não faltam riquezas nesses países para dar dignidade e uma saúde adequada. “Nossa sociedade não adquiriu a noção de que primeiro ela precisa ser e não ter. A realidade de nossas raízes é a busca de adquirir um bem. Se não desprendermos dessas raízes não poderemos ir ao encontro de mudanças e da solução de construção de um futuro”.
Desigualdades e ensino – Fazendo referência ao baixo financiamento do Estado brasileiro, o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso, chamou atenção para os problemas da saúde pública do país e destacou que em cinco anos foram desativados 24,5 mil leitos hospitalares ligados ao SUS. “O povo precisa pressionar e ficar atento para cobrar melhorias para o setor”.
Cardoso ainda destacou a importância sobre a qualificação das escolas médicas. “ No Brasil já são quase 300 escolas abertas que formam aproximadamente 22 mil médicos por ano. Em pouco tempo chegaremos a quase um milhão de profissionais no país. Não devemos pautar nosso horizonte com quantidade e sim com qualidade”.
A preocupação com a formação médica também foi abordada pelo secretário-permanente da CMLP e representante da Ordem dos Médicos de Portugal, José Manuel Pavão. “Julgo que nossos desafios se refletem na formação, sobretudo na formação da especialização. Estamos preocupados com mobilidade e acesso. Arquitetamos uma maneira de alcançar uma mobilidade e uma boa qualificação”.
Por usa vez, o médico português Francisco Pavão apresentou uma sugestão de criação de um observatório lusófono de sistemas de políticas de saúde. “Nós, médicos jovens, estamos convencidos da importância de se analisar a realidade de cada país e como se comportam cada sistema de saúde. Os países mais evoluídos servirão de exemplos”.
A mesa “Raízes, realidades e solidariedade” foi presidida pelo tesoureiro do CFM, José Hiran da Silva Gallo, e secretariada pela secretário-geral da autarquia, Henrique Batista e Silva.